A imunidade tributária do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é um tema amplamente debatido no planejamento patrimonial e sucessório no Brasil. Especialmente em operações como a integralização de bens imóveis ao capital social de empresas, a imunidade do ITBI torna-se uma ferramenta estratégica para evitar a tributação excessiva e organizar o patrimônio de forma eficiente para seus possuidores e herdeiros.

Infelizmente, a interpretação municipal sobre esse direito constitucional tem gerado inúmeros desconfortos para quem pretende organizar seu patrimônio. Muitos municípios insistem em negar a imunidade mesmo quando cumpridos os requisitos constitucionais. Nesse quesito, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376 (Tema 796 da Repercussão Geral), buscou esclarecer os limites dessa imunidade e, apesar de ser um direito constitucional, na prática, ainda há resistência à sua correta aplicação.

Neste artigo busco explicar, de forma acessível e com um maior grau de profundidade, a natureza da imunidade do ITBI, os principais pontos do entendimento do STF, os erros mais comuns cometidos pelos municípios e, principalmente, os procedimentos legais que os contribuintes podem adotar quando o benefício for indevidamente negado.

O que é ITBI?

O ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos) é um tributo municipal previsto no art. 156, II da Constituição Federal, cobrado sobre transferências onerosas de bens imóveis, como em compras e vendas. A alíquota varia de município para município, podendo alcançar até 3% do valor do imóvel.

  • Importante destacar: o ITBI incide apenas sobre transações onerosas. Doações e transmissões causa mortis, por exemplo, são tributadas pelo ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), que é de competência Estadual.

A Imunidade Constitucional do ITBI

O § 2º, inciso I, do artigo 156 da Constituição Federal traz uma exceção à regra geral da incidência do ITBI:

“O imposto não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Ou seja, quando uma pessoa física transfere um imóvel para uma empresa como parte da integralização do capital social, essa operação é imune ao ITBI, desde que a atividade preponderante da empresa não seja imobiliária e neste ponto, o tipo de receita da empresa é de extrema importância.

O que decidiu o STF no Tema 796?

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC, com repercussão geral reconhecida (Tema 796), o STF firmou a seguinte tese:

“A imunidade em relação ao ITBI prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição Federal alcança somente o valor dos bens que forem efetivamente conferidos ao capital social da pessoa jurídica.”

Implicações principais:

  • A imunidade é restrita ao valor efetivamente integralizado no capital social.

  • Valores excedentes, quando registrados como reserva de capital, não são alcançados pela imunidade.

  • A imunidade não se estende automaticamente a qualquer incorporação de bens ao patrimônio da empresa. É necessário que essa incorporação seja feita a título de capital subscrito e integralizado.

A interpretação pelos Municípios e os principais conflitos

Apesar da clareza da decisão do STF, muitos municípios:

  • Exigem o ITBI sobre o valor excedente, mesmo que não haja reserva de capital;

  • Avaliam arbitrariamente o valor do imóvel com base no valor venal ou de mercado, desconsiderando o valor declarado e integralizado;

  • Aplicam a imunidade apenas após comprovação da atividade preponderante, mesmo para empresas recém-criadas;

  • Negam a imunidade mesmo quando todos os requisitos constitucionais são observados.

Esses equívocos geram autuações indevidas, cobrança de ITBI em desacordo com a Constituição e judicialização dos casos.

Empresas em fase de constituição e a “atividade preponderante”

Um ponto sensível neste tema é o tratamento dado às empresas recém-constituídas, como as holdings familiares. Nestes casos, ainda não há histórico de receitas que permita determinar se a atividade preponderante é imobiliária. Aliás, em muitos casos essas empresas sequer serão geradoras de receita, principalmente nos casos das holdings familiares, onde os imóveis muitas vezes são aqueles onde residem seus proprietários.

Segundo o entendimento mais razoável e já adotado em jurisprudências:

  • A imunidade deve ser concedida em caráter provisório.

  • Após 3 anos, a empresa deverá comprovar que suas receitas principais não advêm de locação, venda ou arrendamento de imóveis (atividade preponderante).

  • Caso contrário, e aqui cabe um ponto de atenção, o ITBI será devido com multa e correção.

Procedimentos para obter a imunidade do ITBI

a) Documentação básica exigida

  • Contrato social ou alteração contratual com detalhamento da integralização de capital;

  • Laudo de avaliação do imóvel (opcional, mas recomendável);

  • Declaração de atividade econômica (CNAE) da empresa;

  • Escritura pública ou instrumento de transferência do imóvel;

  • Requerimento administrativo específico com pedido de imunidade.

b) Como o contribuinte deve agir quando a imunidade do ITBI é negada

Recurso administrativo

Cada município possui regras próprias. Em geral, o contribuinte pode apresentar:

  • Recurso contra o auto de infração;

  • Pedido de reconsideração com documentos adicionais;

  • Defesa fundamentada com base na Constituição Federal, no Tema 796 do STF e na ausência de preponderância da atividade imobiliária.

Revisão judicial

Se a via administrativa for infrutífera:

  • É possível ingressar com ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária;

  • Pode-se pedir tutela de urgência para evitar o pagamento imediato do imposto;

  • O fundamento principal será a ilegalidade da cobrança do ITBI em face da imunidade constitucional e da jurisprudência do STF.

Mandado de segurança

Simultaneamente, o contribuinte pode impetrar mandado de segurança individual contra o ato do município, desde que dentro do prazo legal de 120 dias a partir da ciência do ato que negou a imunidade.

Jurisprudência e legislação complementar

Partindo do principio que talvez sejam necessárias ações jurídicas para garantir a imunidade constitucional sobre o ITBI, vale a pena destacar algumas legislações que podem contribuir para o pedido.

  • Constituição Federal, art. 156, § 2º, II: versa sobre a isenção do ITBI quando cumpridas suas regras.
  • Lei nº 9.249/95, art. 23: permite a integralização pelo valor da declaração de bens ou pelo valor de mercado.

  • Tema 796 – STF: imunidade plena até o limite do capital subscrito.

  • CTN – Código Tributário Nacional, art. 175: trata da exclusão do crédito tributário.

Além disso, jurisprudências recentes dos tribunais estaduais e federais têm reconhecido o direito dos contribuintes à imunidade plena nas hipóteses legalmente previstas.

Boas práticas para garantir a imunidade do ITBI

  1. Formalização clara no contrato social sobre a origem e o valor do imóvel.

  2. Planejamento tributário prévio, com apoio de advogado, consultoria financeira e contadores especializado.

  3. Monitoramento contábil nos primeiros três anos da empresa.

  4. Registro preciso do valor na contabilidade, evitando alocação como reserva de capital indevida.

  5. Conservação de todos os documentos que comprovem a destinação e forma da integralização.

Para finalizar cabe destacar que a imunidade do ITBI, prevista na Constituição Federal, é uma proteção legítima ao contribuinte que realiza a integralização de bens imóveis ao capital social de uma empresa. No entanto, sua aplicação ainda enfrenta entraves nos municípios, seja por falta de conhecimento técnico, seja por interpretações que extrapolam os limites fixados pelo STF no Tema 796.

Diante disso, é essencial que contribuintes estejam bem assessorados, preparados para documentar corretamente suas operações e dispostos a recorrer administrativa e judicialmente sempre que a imunidade for indevidamente negada.

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